Silencioso abandono.


Palavras duras, objetivas, táticas, amenas, era através destas pequeninas que Hebert oferecia conforto aos seus pacientes. Psicólogo de remone atuava há mais de dez anos em sua clínica vinculada a solução de casos judiciários. Ao longo de sua tragetória seus livros e seu trabalho o renderam inúmeras entrevistas em programas de TV. Nada parecia conter Hebert exceto pelo contraste da falência na vida pessoal. Afinal seu casamento de quinze anos encontrava-se abalado, pois seu filho, Lucas, era um jovem que enfrentava problemas com as drogas. E assim todos os dias retornar para casa consistia em um enorme tormento causado pelas discussões com sua mulher.
_ Hebert, desta vez o Lucas roubou o cartão de crédito e a senha!
_ O quê?
_ E isso é culpa sua, afinal encontra tempo para resolver os problemas de todos exceto os de casa!
_ Já encaminhei o garoto aos meus melhores colegas de trabalho! O lucas precisa de uma clínica!
Todavia, apesar destes entreveros familiares era em seu consultório que Hebert encontrava paz! Sempre focado a cumprir seu juramento de salvar o maior número de pessoas! Nem mesmo o contratempo de contratar um nova secretária fora capaz de atrasar a agenda da clínica! Afinal, Cintia parecia ser uma mulher devotada aos seus afazeres e sempre disposta a agradar Hebert com seus pequenos mimos.
_ Fiz uma café fresquinho para o senhor!
_ Obrigado, como está a minha agenda?
_ É a Clarisse agora, doutor!
Clarisse era uma atriz de cinquenta anos em crise, pois com o avançar da idade deixara de ser contratada para os papéis clássicos de perfil sedutor! Sempre ao atendê-la Hebert sentia náuseas, em seu âmago não conseguia tolerar sua personalidade fútil e sua relutância em aceitar a idade e se reinventar como atriz. Ao término desta e de outras consultas Hebert sentia-se esgotado e por isso decidira tomar um café com um colega de profissão. Os assuntos foram desde aos mais banais aos dilemas da profissão e seus casos! Hebert comentava sobre tudo exceto sua vida pessoal!
 Naquela mesma noite Hebert decide voltar ao consultório para pegar alguns prontuários, entretanto, ao adentrar no recinto sua surpresa fora enorme. Afinal, o local estava completamente revirado, cadeiras pelo chão, vasos e quadros quebrados. E seu arquivo de prontuários violado. Antes mesmo de verificar o que lhe fora subtraído Hebert envolto em uma enorme tensão decide ligar para polícia. É neste momento que encontra um bilhete sobre a mesa.
_ Irei levar de você o mesmo que me fora retirado!
Desorientado Hebert decide voltar para casa, com suas mãos tremulas retira do bolso as chaves do carro e segue em direção a avenida principal! Neste mesmo instante, recebe uma ligação desesperada de sua mulher alegando que encontrara Lucas desmaiado em seu vômito no quintal! Pois é, como se não bastasse a invasão do escritório agora mais este problema pensou Hebert. Sendo assim Hebert aconselha a mulher a chamar uma ambulância e a seguir internar o garoto em uma clínica de recuperação!
No dia seguinte, Hebert é acordado por um súbito telefonema logo pela manhã! Era sua secretária que estava desesperada, pois encontrara o escritório revirado e se queixava do estado de nervos de alguns pacientes em crise, exigindo por atendimento. E assim sem nem mesmo informar a mulher sobre a invasão da noite passada Hebert parte para o consultório.
_ Hebert, já vai trabalhar? Precisamos falar sobre o Lucas!
_ Em outro momento, a tarde terei tempo, amor!
_ A tarde irei ao cabeleireiro.
_ Te levarei então.
Ao chegar no consultório, esbaforido, Hebert logo dissipa a confusão no local com a promessa de atender de imediato os pacientes que o procuraram.
_ Cintia, desmarque todas as outras consultas!
_ Mas, doutor!
_ Desmarque!
E assim sustentando um ânimo cabisbaixo, Hebert começa as sessões do dia! Entretanto, era enorme a sua dificuldade em se concentrar, afinal seus pensamentos ora voavam em seus problemas familiares e ora se preocupavam com a invasão do escritório! Ao término dos atendimentos Hebert ainda encontra forças para examinar seu arquivo de prontuários. O resultado disto fora uma descoberta intrigante, em sua lista de ficheiros havia sumido o prontuário de Pedro, um de seus maiores desalentos. Pedro fora um adolescente paciente de Hebert há anos atrás, esquizofrênico se suicidara por não conseguir lidar com suas alucinações, e com o agravante do abandono familiar! Mas, o que isto poderia significar?
_ Cintia, encerramos por hoje! Vá para casa, tenho de encontrar minha mulher!
_ Ficarei um pouco até mais tarde para arrumar esta bagunça, doutor!
_ Obrigado,  não sei como esse consultório sobreviveu antes de você!
Logo, Hebert desce as escadas do prédio apressado a fim de encontrar sua esposa! Precisavam com urgência ter uma conversa sobre Lucas! Logo, Hebert abre a porta do carro e em instantes já se encontra na avenida principal! Um pouco de música para relaxar, jazz suave, uma das heranças deixadas por seu pai! Subitamente, o clima de conforto instaurado pela música é substituído por desespero quando Hebert precisa utilizar os freios e o carro não responde! Saída não havia nenhuma, rezar não era uma opção, Hebert era ateu! A colisão fora inevitável! Sangue e estilhaços de vidros, com o impacto um enorme clarão!
Dias depois Hebert acorda no hospital, ficara inconsciente o tempo todo! Com algumas escoriações pelo corpo e uma fratura em uma das pernas Hebert ainda confuso nota a presença da esposa em seu leito! Abraços longos e apertados, alívio, e choro estas foram as reações de Hebert. Estavam ambos gratos por sua vida. Todavia, a intimidade do casal logo é interrompida pela presença da polícia!
_ Hebert, precisamos falar com você.
_ É sobre o escritório, fica pra depois.
_ Não, a perícia constatou que cortaram os cabos de freio do seu carro!
_ O que? Mas, isso e a invasão do escritório, estas coisas só podem estar relacionadas.
_ Estamos investigando!
Ao retornar para casa Hebert é supreendido pelo corpo de seu cão estirado no quintal! Mau presságio a parte sua mulher o convence a se focar em sua recuperação e o chama para descansar! Precisava se recompor, afinal, o acidente o fizera faltar diversos de seus compromissos!À noite ela o notifica que iria sair na manhã do dia seguinte para fazer compras, ambos concordam que Hebert deveria descansar!
Na manhã seguinte, Hebert desta vez é surpreendido pelo som de sua janela da sala se estilhaçando. Mancando com sua perna engessada Hebert se dirige o mais depressa possível para o local. Ao chegar encontra uma pedra envolta em um bilhete, observa pela janela e na rua nenhum sinal suspeito! No bilhete o seguinte recado: encontre-me no parque, vá sozinho. Receioso de alertar as autoridades Hebert decide pedir um Uber com destino ao parque! Hebert chega apreensivo ao parque, com passos comedidos e coração saltitante investiga o local deserto! E assim, tudo o que encontra é uma caixa embrulhada para presente! E assim com a ânsia a saltar-lhe pela garganta Hebert abre o pacote, imediatamente, o misterioso conteúdo o surpreende. Dentro havia um dedo e um bilhete escrito " Sangue por sangue, prole por prole! E assim antes mesmo que Hebert pudesse esboçar qualquer reação é surpreendido por uma pancada na cabeça e apaga!
Com os olhos ardentes e o corpo incrivelmente maltratado Hebert desperta amarrado ao divã de seu consultório! Seu primeiro ímpeto é contorce-se e gritar.
_ Meu filho, onde está meu filho?
Do outro lado da porta, na sala de espera uma luz se acende e o som de passos aterroriza nosso conturbado psicólogo! Um rangido e a porta se abre, para a surpresa de Hebert era Cintia!
_ Cintia, você! Me ajuda, alguém me prendeu aqui. Meu filho está correndo perigo.
_ Eu te prendi neste maldito divã, doutor!
_ O quê?
_ Lembra-se do Pedro, o garoto que se suicidou? Era meu filho! Você não conseguiu salvá-lo, tudo foi culpa sua!
_ Eu sou o culpado, solte o meu filho!
_ Ele já está morto. E você não vai sair daqui, não antes de eu te impedir de fazer outra vítima.
De repente, Cintia retira um pequeno punhal e, lentamente, se aproxima do doutor e grita.
_ Abre a boca, abre a boca!
Apavorado com aquela situação Hebert não encontra argumentos que possam o ajudar e assim decide cumprir a ordem!
E assim com o vigor e a violência de uma esperada vingança Cintia, a prestativa secretária, corta a língua do doutor! Logo o sangue e os urros se espalham pela sala, uma poça de sangue reflete o mais sombrio dos sorrisos. Cintia, fecha a porta e abandona Hebert amarrado e aflito em seu silencioso abandono.

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