Pardon!



Levantou-se de forma abrupta, esbarrando os braços robustos na cadeira ao lado. Como de costume franziu a sobrancelha e soltou seu brado de guerra.
_ Nesta porra quem manda sou eu!  Mexer com o nome dos “zoutros” já é esculacho!
E assim fez-se um silêncio mortal no bar, calaram-se até mesmo os casais que apenas sussurravam!  Big Joe já se preparava para esganar o magricelo debochado quando outra figura ainda mais esquálida manifestou-se.
_ Pra quê tanto se até mesmo as putas tornam-se santas?
Logo, as expressões apreensivas do bar pouco a pouco foram substituídas por um enorme espanto! Porém, a única reação no local fora a do esquálido lobo do mar que num movimento sôfrego levantou-se e pagou a conta! Big Joe apenas ficara a observar aquele caminhar patético tão em desacordo com a sabedoria daqueles cabelos brancos.
_ Fazer poema é fácil senhor... Quero ver pagar minha conta!
_ Pardon, que conta?
_ Vixê,agora, danou-se pra xingar em estrangeiro?
_ Certo a conta não pago, mas te ensino este e outros desaforos!
E assim se deu início a mais inusitada de todas as amizades, a de Big Joe com o velho marinheiro Elísio. O Absurdo é que em tudo eles destoavam, afinal, Elísio era homem elegante, poliglota, bem casado, cidadão viajado. Já, o pobre Big Joe um reles causador de intrigas, maltrapilho, solteiro... Não, desgarrado!
Todavia, nos meses a seguir não foi incomum vê-los a transitar pelas ruas da cidade, a princípio sempre em tom de discussão. Estas quase sempre eram desencadeadas pela ignorância e maus modos de Big Joe. Contudo, após algum tempo, pareciam dois estrangeiros num eterno debate de cavalheiros, muitas vezes em idiomas desconhecidos! Aos poucos, Big Joe teve sua imagem modificada perante a cidade, pois deixara de ser aquele homem rude de outrora para tornar-se um sofisticado pequeno comerciante de queijos.
Porém, com o avançar dos anos a doença chegou para atacar o velho Elísio. Fora mais ou menos nesta época de Big Joe contratou um funcionário para seu negócio de queijos e passou a destinar as suas tardes para cuidar do amigo doente. Também foi neste período que se agitaram as línguas felinas da cidade. Pois, tornou-se comum ver Big Joe ao lado da esposa de Elísio, a inconsolável Ellen, pobre, senhora de anca firme e trinta anos mais jovem do que o marido! Cena comum era vê-los tomar café nos bistrôs da praça do centro. À noite, costumavam ir à igreja, com o pretexto de orar pela alma do marujo moribundo.
Dias depois chegara à proposta “irrecusável”, e fora numa dessas tardes no bistrô que B. Joe ouvira com espanto as lamúrias de Ellen.
_ Mas, o velho já não anda! Defeca-se todo... Não sabe o quanto eu sofro!
_ Eu sei, mas ele me ensinou...
_ Tá, entendo, mas o tempo dele passou! Já viveu demais, precisamos matá-lo. Só ele terá descanso e poderemos assumir o nosso amor.
_ Eu não...
_ Apareça hoje à noite em minha casa, o velho estará dormindo. Tenho tudo em mente, lá te explico, será indolor... A seguir fugimos!
E assim, cada segundo que antecedeu o horário marcado para o plano fora um eterno tormento para Big Joe. Afinal, muito embora seu passado o condenasse ele já não podia cometer tal selvageria. E ainda mais com o velho marujo, o senhor dócil que o ensinara tudo! Logo, Big Joe conseguira apenas consumir uma amarra de seu queijo enquanto se embriagava de um amargo vinho do porto. E fora assim, acompanhado apenas pelo seu suor frio e pelas profundas notas da voz de Nina Simone que B. Joe adormeceu e selou a sua recusa a tal carnificina.
No dia seguinte, fora acordado ao meio dia por incansáveis batidas em sua porta.
_ Senhor Joe, Big... Senhor Joe! Aqui é o chefe de polícia!
_ Ah... O quê? Eu...
_ Parece meio desnorteado, senhor!
_ É, eu não...
_ Bem, parece ter dormido a manhã inteira, do contrário saberia que seu amigo Elísio fora vitima de uma tentativa de assassinato!
_ E ele?
_ Está bem, e deseja vê-lo. Por isto estou aqui!
E assim um tanto apreensivo Big Joe fora conduzido, com o coração na boca, pela viatura de polícia até a casa do velho marujo. Ao chegar encontrou alguns peritos a conversar no jardim e a vizinhança a cochichar ao redor das cercas. Elísio encontrava-se em sua cadeira de rodas, no centro da sala, sob ele pairava uma densa luz fúnebre mesclada a um olhar de desolação.
_ Você já sabe?
_ É, sei..
_ Tentou me envenenar e fugiu, porém fui encontrado e socorrido pelo mordomo!
_ É uma lástima!
_ Sabe também que há tempos eu já desconfiava tudo? Todo o plano!
_ Tudo?
_ Não se preocupe, mas como pode trair-me?
_ É, eu não... Perdoe-me, está certo, faça o quiser! Ela me seduziu, eu pude traí-lo, mas para matá-lo não tive coragem!
_ Pardon?
E ouviu-se o febril ensaio de uma gargalhada pela casa, e após um intervalo para a tosse o velho marujo pronunciou-se.
_ Não pela infidelidade! Mas, pela deslealdade de não me ter matado!






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