Panorama
Sacolas,
seringas, garrafas, aparelhos eletrônicos e toda espécie de inutilidades está
era a visão panorâmica de Pedro em seu trabalho. Percorria as ruas encabulado
em sua dignidade a ter devaneios inteiros de uma vida melhor. Afinal, era dura
a rotina no caminhão do lixo. E Pedro até que tentava unir-se ao coro de seus
colegas que perambulavam pelo bairro a contar causos e inventar piadas. Caso
uma mulher bonita fosse avistada aí sim regozijavam-se todos.
Todavia, Pedro
era só cansaço, alento mesmo só tinha nos momentos em família e era no colo de
Marta, sua companheira de 15 anos, e na companhia de seu filho Roger que Pedro
obtinha seu sagrado descanso. Porém, tudo se diluía à noite, no instante de
repousar a cabeça no travesseiro que o pobre lixeiro viajava. Visitava a
infância humilde em um casebre inferior ao seu no interior de Goiás, lamentava
a morte de seu amado pai, contaminado por agro-tóxicos em seu trabalho no campo.
E ia além, eram tantos e incontáveis futuros que se apresentavam a sua frente.
No entanto, a cada manhã repetia-se o gesto de arrumar a marmita, feijão com
arroz e frango, este era o cardápio que quase sempre seu orçamento lhe permitia
comprar.
Certa vez, na árdua
rotina no caminhão de lixo, Pedro buscava se distrair entre os assobios para as
jovens donzelas e as anedotas de sempre quando vislumbrou a sua frente, a escapulir
de uma sacola rasgada uma revista sobre aviação. E tamanha fora a curiosidade
de Pedro que não se conteve e resgatou a revista. No horário de almoço
dedicou-se a ler o exemplar e ficara fascinado com a infinidade de modelos de
aeronaves, e com os relatos das viagens dos pilotos. Nos dias que se passaram Pedro passou a
consumir todo material que falasse a respeito de aviação, assistia à filmes, passou
até a frequentar a biblioteca à procura de novas revistas. Até se aproximara de
Roger com o intuito de aprender os jogos de simulação de voo.
Já às noites
Pedro não eram mais enfadonhas, pois desta vez suas viagens tinham o
instrumento certo uma belíssima aeronave! Aquilo sim era veículo, nada mais do
lúgubre caminhão de lixo. E a bordo de um esplêndido modelo seguia Pedro a
visitar países distantes, degustar novos paladares e conhecer novas culturas.
No entanto, ao acordar Pedro via-se preso a sua estafante rotina, circular com
o caminhão de lixo. Logo, não demorou para que Pedro se informasse dos requisitos
para se tornar um piloto. Contudo a resposta fora frustrante, afinal, Pedro não
possuía a escolaridade pedida para ingressar no curso de piloto! Entretanto, apesar
de sua frustração desistir do sonho não estava em seus planos e graças a sua
lábia e a um contato de adolescência que crescera na profissão do crime Pedro
conseguiu se candidatar a uma vaga de piloto de pequenas aeronaves destinadas
ao tráfico!
Já em seu voo
inaugural a felicidade de Pedro era tamanha que este sequer ficou se afligiu
por jamais ter pilotado uma máquina como aquela. Pois, para ele bastavam as
horas e horas atrás de um simulador de voo e as instruções obtidas em suas
leituras diárias. E assim graças à sorte e aos instrumentos de navegação Pedro
seguiu por ares tranquilos com destino a Colômbia a fim de abastecer a aeronave
com cocaína. Apesar da finalidade ilícita da viagem nada parecia incomodar
nosso mais novo aviador. Preocupava-se apenas em sentir a liberdade, observar
as cidades, matas, tudo de um ângulo privilegiado. Afinal, quando se está do
alto todas as preocupações parecem menores!
Para a família
Pedro contou somente que fora promovido, subitamente, a inspetor de coleta urbana
nacional. Fato este que justificava suas ausências! E sequer fizera grande
esforço para que todos acreditassem, já que sua nova remuneração trazia ares de
luxo a família! A mulher conhecera o shop e o sabor do consumo, ao filho foi
dada uma educação de primeira. Para Pedro bastava somente ter abandonado o
transtorno do caminhão do lixo, bastava os céus, sua nova vida. Todavia, ter
somente a Colômbia como destino logo passou a não ser o suficiente para
realizar o sonho de Pedro de conhecer o mundo.
E fora numa
manhã qualquer sem aviso prévio que Pedro recebera por rádio a notícia de que
prenderam o seu chefe no tráfico de drogas. E agora o que faria Pedro sem o
sabor da viagem? Naquela tarde Pedro deprimiu-se, tomou cachaça, usou drogas,
porém nada parecia aplacar a aflição de deixar os voos. No entanto, como
poderia Pedro custear suas viagens? Afinal, suas reservas financeiras sequer
eram suficientes para comprar sua própria aeronave! Restava apenas uma solução,
roubar o avião do crime organizado! Nosso aviador estava ensandecido, não podia
o mundo roubar o seu sonho e devolvê-lo ao lixo! Então devolveria Pedro o lixo
a sociedade!
Na manhã seguinte,
Pedro ainda acordara sobre o efeito do álcool e resolveu por em prática o seu
plano. Foi ao banco sacou todas as suas economias, passou no lixão da cidade e
recolheu o maior número de sacolas possível e partiu rumo ao hangar abandonado.
Furtar a aeronave fora mais fácil do que Pedro imaginara, afinal, o temor dos noticiários
fez com que ele não encontrasse resistência. E assim Pedro abasteceu o avião,
depositou as sacolas de lixo e alçou voo. Seria esta sua última viagem? Até onde
o combustível o levaria? Estas e outras perguntas permaneceram sem respostas na
cabeça de nosso herói. Sabia apenas de uma coisa, era preciso dar o troco ao
destino. E assim ao sobrevoar a cidade Pedro liberou o compartimento com as
sacolas de lixo! Iria à Colômbia? Talvez, talvez Argentina! Queria mesmo e
saborear a visão panorâmica de sua viagem!
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