O último degrau.


Se fosse só pela mudança bastaria o corte de cabelo, a blusa nova e apertada, mas não... afinal, faltava-lhe ainda algo, talvez o velho ar de segurança que o cansaço e o tempo incumbiram-se de levar, não sei! Na verdade, acho mesmo que lhe faltava um degrau, um crescimento real e não apenas um destes remédios baratos usados para aplacar a solidão. Faltava-lhe paciência, e, coincidentemente, um degrau para concluir a escada e, posteriormente, seguir a esquerda do gélido corredor, recolher o ar, adentrar a sala, vestir uma máscara ou se entristecer em meio as estatuas sem vida, no entanto, antes que este degrau fosse vencido e suas malditas previsões se tornassem realidade ela passou enfeitando o ar com graça, com seus cabelos vermelhos ridicularizando o desafio do rapaz parado na escada. Segundos depois, ele a viu sumir, desaparecer no corredor deixando para trás apenas nostalgia, restava vencer a escada, afinal, uma garota como aquela jamais iria para a sua sala.
Ansioso ele enxuga o suor que escorria de sua fronte dá outra conferida no papel, mais uma e pronto... aquela era a sala, a hora certa, seu último ano. Sendo assim ele ergueu o olhar, ajeitou a mochila e, finalmente, abriu a porta, e fora exatamente neste instante que a vida conseguiu surpreendê-lo, pois lá estava a garota de cabelos vermelhos. Encontrava-se um tanto entediada, de fones de ouvido, farta pela espera. Logo, o rapaz intimidou-se de sentar ao seu lado, no entanto, segundos depois se encorajou, ensaiou uma fala descolada,sentou-se ao  lado dela, conversaram sobre música, riram de banalidades, trocaram telefone. De fato a vida nunca fora um filme para ele, porém até então tudo ocorrera bem.
Na semana seguinte, a escada já não representava desafio, sequer havia receio em seu corpo, suor nenhum escorria de sua fronte. Todavia, bastou abrir a porta para notar a ausência dela, logo, as cores resumiram-se em cinza, as pessoas tornaram-se fantoches desinteressantes. No entanto, não seria ele também um fantoche? Mais um pobre sonhador, cansado de seu emprego aborrecido, todas as noites naquela sala, a correr atrás de um substantivo sempre desconhecido, sempre querido... futuro! Mas, não ele não era um fantoche, apenas não integrava o elenco daquela peça, afinal, havia ainda em seu peito mais que um lamento, havia um grito, um poema, um surto... uma saudade branda daquela de cabelos vermelhos, suas conversas sobre música. Pois é, definitivamente, ele não era um fantoche e sim um androide sem par!
Logo, não demorou para que ele telefonasse e assim veio o primeiro encontro, ocasião onde notou a inocência e as mãos trêmulas da garota. Menos mal, assim ele poderia soar seguro. E assim como era de se esperar começaram a namorar, o rapaz até conseguiu trocar de emprego, tornou-se estagiário, baixo salário, instabilidade, porém a ideia de tomar posse de sua profissão. Todavia, como mencionado anteriormente a vida nunca fora filme para o rapaz e, logo vieram os primeiros problemas.  Era provável que a garota de cabelos vermelhos não o amasse, pois não o procurava, abandonava-o sem oferecer ao menos a atenção de uma ligação. E assim inconformado com a incompletude da vida ele apoiou-se nos amigos, nos bares, afinal, amargurava a pior da solidões, a acompanhada. E veio o primeiro término, a primeira volta, os primeiros sonhos.
Deitados em berço nada esplêndido eles já dormiam abraçados, porém não havia som do mar nem luz, nem céu profundo. Havia apenas a lama dos bares baratos, felicidade falsa e engarrafada, gargalhada demoníacas, amigo nenhum, liberdade privada. No entanto, o gentil casal ainda persistia, sempre em busca de sua felicidade, recolhiam-se no quarto, desfrutavam das delícias do amor, partilhavam as dores do peito. Sempre de mãos dadas, até que a vida corrompesse sua fina pureza. Mas, é claro que houve brigas, confusão, distorção, cobranças, términos, voltas. Nobres amantes empoeirados pela arrides de sua terra, pelos desencontros da vida, tanta, tanta sujeira, discórdia e mentira espalhada por esses abutres do mundo.
E ainda que não fosse tudo belo e o recomeço um erguer-se cinematográfico era preciso seguir com a vida, renovar os votos, lembrar-se das delícias do amor, recanto de vida em meio ao caos, promessa de esperança. Logo, bastou lembrarem-se de sua mais intima magia, evocada pela amizade, pelo toque, pelo abraço, olhar, perfume e odores. Logo, voltaram à escada, faltava-lhes apenas um degrau, uma lição a ser aprendida, pois os maiores monstros já estavam mortos, as mazelas vencidas. Só um degrau, um obstáculo menor,e a responsabilidade de imortalizar uma história sobre crescimento e amor.

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