Encontros no litoral
Em algum lugar do oceano ele continuava a navegar sozinho mesmo depois de
tê-la encontrado. Seguia cansado, levando consigo somente um frio de anos. Sequer
compreendia os astros ou funcionamento das bússolas, era quase um escravo do
mar, perdido no tempo, orando por chuva enquanto bebia suas lágrimas. Porém, de vez em quando a solidão o consumia e
assim avistava um porto, remava até ele a fim de ouvir vozes humanas.
Todavia, ás vezes decidia trocar
de esconderijo e dedicava horas a fio ao seu caderno de sonhos, dava vida a
astronautas, mágicos, monstros, homens do campo... Aos poucos deixara de se
reconhecer, perdia-se no mar, na esperança raquítica de cruzar seus olhos,
enlaçar suas mãos nas mãos de uma de suas antigas invenções... Simplesmente, a
menina mais bonita, a voz mais suave e serena que ouvira.
Já, Clara lembrava-se apenas de tê-lo visto num sonho qualquer, e por
isso a cada noite o esperava. Lembrava-se de sua pele desidratada, de seus
olhos de marinheiro esgotado, de seus contos sobre terras nunca antes
exploradas. Ah, como ansiava ser levada a estes lugares, desejava conhecer
outros povos, línguas e culturas. Porém, o jovem marinheiro só podia ser
encontrado em seus sonhos. Contudo, ainda assim a obsessão crescia e Clara
pegava-se sonhando acordada em seu emprego numa loja de artesanato de sua
pequena cidade. Às noites, Clara enfrentava as fortes rajadas de vento à beira
da praia, na esperança de realmente encontrá-lo, distraia-se apenas com seu
caderno de anotações, que levava consigo para lembrar-se de seus poemas e
compartilha-los ainda que em sonhos com seu amado.
No seu segundo encontro, o jovem marinheiro enfrentara uma forte
tempestade no mar, chegara a temer que seu pequeno bote não suportasse a fúria
das ondas. Fato inevitável, pois, logo, o bote submeteu-se a supremacia do mar.
No entanto, ao invés de deparar-se com a morte o marinheiro achou-se jogado
numa praia de Portugal. Encontrar-se nesta terra desconhecida até seria motivo
de desespero caso ele não a tivesse encontrado.
E que paisagem magnífica, pensou consigo mesmo ao vê-la sentada a beira
da praia. Seus pés tocavam, suavemente, as ondas enquanto o vento incumbia-se
de balançar seu vestido branco transparente. Neste dia, passearam de mãos
atadas pela cidade, ela a explicar sobre os monumentos e sobre a história local
(coisas que ele a ouvir um tanto distraído, já que divagava em suas coxas,
seios e lábios. Trocaram beijos sob o luar da orla e dormiram abraçados orando
para que nos dia seguinte não fossem separados, desejavam permanecer para
sempre naquela maravilha surreal. Todavia, o sol não tardou a nascer e ambos
foram sentenciados a inevitável separação!
Nos dias seguintes, a depressão alojou-se no coração dos amantes. O jovem
marinheiro seguira taciturno em sua viagem, já não temia a morte, receava
somente jamais tornar a vê-la. Já, Clara
perdera o ânimo e se esforçava ao máximo para conseguir trabalhar, às vezes,
até tentava distrair-se passeando pela cidade, porém, na verdade, seu dia só
fazia algum sentido quando sonhava com seu amor, quando estava em seus braços,
dividindo poemas e ideias.
Todavia, de quando em quando o universo os unia e juntos visitavam
cidades e celebravam fazendo amor no pequeno bote. E assim seguiam cada vez
mais apaixonados, flagelados pela distância, já não ficavam satisfeitos com os
encontros esporádicos, pois desejavam encontrar-se no mundo real, todavia, o
despreparado marinheiro não conseguia achar as coordenadas para encontrar a
cidade de Clara. E temia ele também que ela não se habituasse a vida do mar,
temia não conseguir pescar o suficiente para prover mais uma pessoa no bote,
mas ainda ele matinha a promessa de um dia encontrá-la.
Raios e trovões agitavam o mar do litoral brasileiro naquela noite nefasta,
uma forte tempestade fazia-se certa dentro de horas, mas o jovem marinheiro
parecia não temer. Porém, quando nada parecia retirar sua tranquilidade ele
avistou sua amada a lutar contra as fortes ondas. Fora com dificuldades que
conseguira guiar o bote e resgatá-la, juntos esforçaram-se ao máximo para
vencer a fúria da natureza. Entretanto, logo, as madeiras do bote tonaram-se
frágeis e ameaçaram romper-se. Neste instante, o jovem marinheiro notou que só
havia uma coisa a ser feita.
_ Amor, você precisa acordar! Vamos se esforce.
_ Não, eu não te deixarei sozinho. Juntos nós chegaremos à costa!
_ Esqueça o bote não irá suportar, mas você pode sair daqui!
_ Não sem você, não sem antes de me encontrar de verdade.
Aflito o jovem marinheiro começou a sacudi-la a fim de acordá-la para
livrá-la daquele trágico fim. Todavia, ela o abraçou e com sua voz doce
sussurrou palavras de conforto ao seu ouvido.
_ Algo me diz que isto é um presente, se morrermos aqui talvez nós
possamos acordar juntos, para sempre unidos em uma nova realidade.
E assim, logo o bote não resistiu
e foram ambos tragados pela força do mar, que piedosa lançou sob eles imensas
ondas bailarinas a fim de conduzi-los a uma nova realidade, a tão ansiada
realidade em que viveriam juntos. Ao compreenderem o recado da natureza
morreram em paz, na certeza, de um próximo encontro.
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