Memórias de algodão doce.
Uma amarga expressão cansada impressa, no rosto, revelava seu ânimo
esgotado. Olhos fundos, barba por fazer e o clássico desleixo daqueles que
beiram o precipício. Sim, só de músculos tensos e lágrimas retidas era feito
aquele homem. Sofrimento este que fora ampliado há uma semana após perder o
emprego, e agora aliado ao estresse de seu carro enguiçado.
Todavia, nem sempre a sua sorte fora ingrata, já que Marcos até julgou
que a vida seria boa ao conhecer sua esposa. Um amor perfeito nascido, logo, na
flor da juventude, época de risos e sonhos gloriosos. Naquele tempo, era comum vê-los
aos beijos, ou a correr pelos parques, e que inveja eles faziam aos casais
menos afortunados. Natália, esposa de Marcos, não possuía ambições profissionais,
filha de pais separados, ela confiava na eloqüência de bom vendedor do marido e
sonhava apenas em constituir uma família.
Porém, como bem sabe qualquer leitor de romance barato o tempo quase
sempre implacável, geralmente, retira logo a oferta de melhores dias. Sendo
assim, Marcos havia conquistado o seu sonho de ingressar na faculdade de
marketing, contudo, passados dois meses de curso Natália descobriu estar
grávida. Com o primeiro filho Marcus teve a certeza de que deveria trabalhar
duro e precisou adiar o sonho de graduar-se com louvor. Logo, vieram às horas e
horas, intermináveis horas extras no trabalho, tempo perdido para sustentar sua
família e somar economias para retornar à faculdade. E era com dificuldades que
Marcos permanecia firme em seu sonho, apesar de contar com o apoio da mulher
ele sofria por ver-se afastado do tão estimado convívio social com os amigos.
Sua vida tornou-se um confinamento, uma opaca rotina trabalho e ínfimas horas
de descanso.
Logo, graças a um desses disparates de mulher em crise Marcos recebera
com pesar a notícia de que Natália estava grávida, esperava se completar tendo
um segundo filho. Com a notícia Marcus tivera a certeza de estar confinado a
uma vida mesquinha, logo, com a frustração veio à queda de rendimento no
trabalho e a seguir a demissão. E assim após dois sem trabalho iniciaram-se as
discussões em casa, Marcus culpava a mulher por ter engravidado em medir as
consequências, já ela tornou-se paranóica com as saídas do marido e o acusava
de não encontrar emprego simplesmente por ter se tornado um boêmio desgraçado.
O carro havia enguiçado, o sol estava escaldante, e era suando em bicas
que Marcus reclamava de sua sorte enquanto procurava pelo macaquinho em seu
porta-malas. Como se não bastassem às misérias de sua vida o carro o destino
havia escolhido um local remoto para abandoná-lo. Sequer havia um fluxo de
veículos para que Marcus pudesse pedir ajuda a alguém, todavia, havia a frente
um pequeno parque que aparentava estar movimentado. E assim secando o suor do
rosto Marcus caminha, lentamente, até o local, porém antes mesmo que pudesse
requisitar ajuda Marcus teve a inusitada visão de um vendedor de algodão doce.
Neste instante, seus passos inconscientemente travaram-se, e sua mente divagou
pelas empoeiradas memórias da infância. Aquele tempo doce em que o vendedor de
algodão doce passava por sua rua, chamando as crianças com sua pequena sineta.
Tempo bom, no qual Marcus sentia-se livre e ao ouvir tal som corria para os
braços de seu avô a fim de conseguir algumas moedas para o doce. Aos pulos,
após conseguir o dinheiro ele corria pela calçada e se vislumbrava com as cores
dos algodões, azul, rosa e verde claro eram os seus preferidos. Ah, tempo bom
de cores verdadeiramente vida. E que saudade ao relembrar tal cena, que tempo
bom, que vida pura, vida ingênua que não volta mais.
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